Em dezembro de 2019, Aluízio Palmar, um ativista de direitos humanos e ex-preso político, foi processado por difamação por seu próprio torturador, um tenente aposentado do Exército. Ambos já tinham quase 80 anos e não se viam desde 1969, quando o tenente submeteu Aluízio, na época com 26 anos, a intensas torturas físicas e psicológicas. Palmar havia sido preso por sua atuação como militante revolucionário, um dos cerca de cinco mil brasileiros a maioria jovens que pegaram em armas contra a ditadura que governou o Brasil de 1964 a 1985. Quase meio século depois, em um contexto de política reacionária reemergente sob o presidente de extrema direita Jair Bolsonaro, o processo refletiu a história contenciosa e ainda em desenvolvimento da ditadura do Brasil.
Para Aluízio, ser processado por seu antigo torturador não suscitou a volta de lembranças reprimidas. Longe disso. Desde o final dos anos 1990, ele estava em um modo quase constante de autobiografia. Após encerrar sua carreira como jornalista em Foz do Iguaçu, começou a procurar os corpos de seis militantes que haviam desaparecido em 1974 nas mãos do regime militar. Vários deles participavam da mesma organização que Aluízio, e ele próprio quase caíra na armadilha que levou à sua morte. Como parte dessa busca, e em um esforço para lançar mais luz sobre os detalhes de sua própria vida, Aluízio compartilhou suas lembranças: escreveu um livro de memórias, fez discursos públicos, liderou seminários com estudantes, contribuiu para a Comissão Nacional da Verdade e concedeu inúmeras entrevistas a jornalistas e acadêmicos. Testemunhar a violência que sofreu no século XX tornou-se uma ferramenta biográfica em sua busca por justiça no século XXI.
A centralidade não apenas da narrativa, mas da memória, torna a história de vida de Aluízio Palmar uma janela fascinante para a compreensão dos últimos cinquenta anos da história brasileira. Com um olhar para as complexidades de como ele narrou sua vida em entrevistas, escritos e engajamento público, este livro oferece uma abordagem inovadora para entender como ativistas e militantes veem seu lugar na história. Contar a história da vida de Aluízio e o roteiro de memória em que ela é narrada revela uma série de buscas sobrepostas uma busca pela importância da periferia da história, uma busca pelo lugar de alguém em narrativas históricas maiores e uma busca por justiça.