Diariamente, às 5h30min, o radinho de comunicação dos integrantes do tráfico nas favelas de Acari e Santa Marta, no Rio de Janeiro, começa a chiar. O chefe do tráfico entoa uma oração que busca se comunicar, a um só tempo, com o divino e com seus comandados, apelando por proteção e dando orientações à sua “equipe”. “[o chefe do tráfico] Orientava condutas, porque ele dizia para matar menos, falava para os líderes comunitários cuidarem das pessoas. Aquela oração era uma comunicação com o alto e o baixo”, explica Christina Vital Cunha, pesquisadora e autora do livro Oração de Traficante: uma etnografia (Rio de Janeiro: Garamond, 2015).
A virada dos anos 1990 para os anos 2000 marcou uma mudança radical da sociabilidade nas favelas do Rio de Janeiro no que diz respeito à relação entre religiosidade e tráfico. O novo contexto passa a ter como marca social uma nova gramática, aquilo que a pesquisadora chama de “cultura pentecostal”. “[Esta cultura] existe nas localidades e se expressa dentro das lógicas do universo evangélico, a ver com a cosmovisão pentecostal do mundo como o lugar da guerra. É o mundo da guerra do bem contra o mal, da disputa das almas. Paralelamente, esse é o mundo do tráfico, da guerra e da vigia, é bíblico também, vigiar e orar. O vigiar vem antes do orar. O cotidiano dos traficantes é o de vigia constante”, descreve.
Em entrevista concedida por telefone a Ricardo Machado, do site do Instituto Humanitas Unisinos, a pesquisadora explica como a gramática da guerra, do deus de Davi, produz uma estética que vai impactar em toda economia local das favelas, do comércio às relações interacionais dos moradores.
Confira a entrevista completa em:
http://www.ihu.unisinos.br/564908-oracao-de-traficante-o-mundo-da-guerra-do-trafico-e-da-guerra-das-almas-entrevista-com-christina-vital-cunha
Christina Vital | Foto: Arquivo Pessoal
Christina Vital Cunha é professora do Programa de Pós-graduação em Cultura e Territorialidades da Universidade Federal Fluminense – PPCULT e do Departamento de Sociologia da mesma universidade. É doutora em Ciências Sociais pelo PPCIS/UERJ e mestra em Antropologia e Sociologia pelo IFCS/UFRJ. Integra a equipe de pesquisadores da Rede de Pesquisadores Luso-Brasileiros de Artes e Intervenções Urbanas, coordenada por Glória Diógenes (UFC) e Ricardo Campos (Universidade Nova de Lisboa) e o grupo Religião, arte, materialidade, espaço público: grupo de antropologia, coordenado por Emerson Giumbelli (PPGAS-UFRGS). É autora dos livros Religião e Conflito, Ed. Prismas, 2016, em parceria com Melvina Araújo; Oração de Traficante: uma etnografia, Ed. Garamond, 2015; Religião e Política: uma análise da participação de parlamentares evangélicos sobre o direito de mulheres e de LGBTs no Brasil, 2012, em parceria com Paulo Victor Leites Lopes. É colaboradora ad hoc do Instituto de Estudos da Religião desde 2002.